2007/08/25

As pequenas estória da História no "África"




A memória de tanto tempo vivido com tanta intensidade não chega para tudo, mas com certas ajudas, sempre lá vou chegando. Uma delas são as fotos que vou vendo, mexendo no arquivo. No último texto que aqui publiquei, servi-me de fotografias para mostrar alguns aspectos do que era a guerra em torno do Kuito Kuanavale.

A equipa do "África" - eu e a Ana Consolado - fomos integrados num grupo de jornalistas considerados verdadeiramente independentes, depois de uma reunião havida com o Chico Simons, que, nessa altura era o Adido de Imprensa da Embaixada de Angola. Ele percebeu claramente o interesse de mostrar a realidade em órgãos de comunicação social diferentes daqueles em que habitualmente apareciam as reportagens sobre Angola. Infelizmente o Simons já nos deixou, mas aproveito para lhe prestar aqui a minha homenagem. Foi através dele, da mulher dele, a João, e do Embaixador de então, Rui Mingas, que Angola se abriu à comunicação social considerada "independente".

Todavia, no terreno, as intenções não foram entendidas por todos e, quando chegámos fomos integrados num grupo de jornalistas do chamado mundo socialista, que, incluía, ovbiamente, cubanos. Depois de uma primeira viagem, protestámos e lá ficámos sózinhos, isto é, um grupo de jornalistas que incluía os que tinham ido de Lisboa e alguns idos dos Estados Unidos, de diversas cadeias de televisão e de alguns jornais.

Sobretudo para os repórters de imagem o interesse era acção: queriam ver a guerra, ela mesma.

Na altura, era ministro da Defesa, Kundy Payama, que resolveu, no Kuíto, fazer conferência de imprensa para dizer "nada". Ninguém lhe ligou "nada". Houve mesmo um repórter de uma das cadeias norte-americanas que foi colocar-lhe a câmara aos pés.

Payama fingiu que não me conhecia, tentou fazer o discurso da simpatia e acabou por ficar a olhar para o céu.


2007/08/21

Kuito Kuanavale - a cidade ( A História "feita pelo "África")


Esta imagem é a mais representativa do Kuito-Kuanavale, uma pequena povoação com meia dúzia de casas e dois reservatórios de água para abastecer essa meia dúzia de habitações de comerciantes que, nos tempos coloniais, viviam da permuta: recebiam milho e outros cereais em troca de produtos manufacturados.

Durante muitos meses, este local ermo foi referido na comunicação internacional como a cidade do Kuito-Kuanavale - o lugar de todas as regrefas entre as tropas cubanas e sul-africanas, que actuavam, respectivamente, em nome do MPLA e da UNITA.

Na imagem da direita, estou eu a passar para o outro lado de uma ponte improvisada entre um dos rios. Atrás, reconhecem-se o António Gonçalves, a Jill Jollife e um jovem do Centro de Imprensa que levou para a viagem uma câmara amadora. A foto, tal como a outra é da Ana Consolado. No regressso, em fuga, já que os sul-africanos nos fustigaram com os canhões G-5, o Patrick Reina deixou cair todo o seu equipamento ao rio, o correspondente da China vomitou-se todo e o major que nos acompanhou foi o primeiro a refugiar-se no blindado














Para aqui chegarmos aqui utilizámos os mais diversos transportes. Como esse blindado aí em cima. E descobrimos o que era um exército camuflado nas matas.

Utilizámos igualmente o helicóptero, escoltado popr um MI 8, bonito a sério .

No regresso ao Kuito, utilizámos o Casa para, em voos de "espiral da morte" fazermos a viagem até Cuemba, a poucos quilómetros do Munhango, onde Savimbi mantinha resistência.

No aeroporto do Kuito, onde passámos algumas horas, assistimos ao levantar e aterra de vários aviões, de grande e médio porte, para transporte, quer de material, que de homens, todos fazendo a espiral da morte







2007/08/15

A História feita pelo "África"(2)


Na última mensagem aqui publicada recordámos o fusilamento de seis políticos guineenses, em Junho de 1986. Era então presidente da República, o general Nino Vieira (João Bernardo), tal como é hoje.
Para que se perceba que aquele não foi um acto isolado, transcrevo aqui hoje o texto de um crónica que publiquei em Maio do mesmo ano:
"Nas prisões da Guiné Bissau morreu mais um homem.
Agostinho Gomes era seu nome e na lista dos mortos nas cadeias guineenses junta-se aos de André Gomes, Lay Seck, João da Silva.
Outros combatentes da liberdade da Pátria - assim são denominados, na Guiné Bissau, os guerrilheiros do PAIGC, que nas matas do país conquistaram a Independência Nacional.
Segundo a versão oficial - em que ninguém pode acreditar - Agostinho Gomes morreu vítima de uma «anemia profunda com avitaminose».
João da Silva, na versão oficial, foi morto, quando tentava fugir da prisão. A sangue frio.
André Gomes, no dizer oficial, enforcou-se com um fio eléctrico da prisão.
Lay Seck sucumbiu a um problema cardíaco.
Explicações para mortes inexplicáveis.
Explicações que não se dão relativamente a outros nomes. Que é feito de Constantino Teixeira, Umaru Djaló, Julião Lopes, Agostinho de Almada, Bacara Cassamá, Malan Gino Mané?
Onde estão Morgado Tavares, Armando Soares da Gama, Koté?
Por onde andam tantos outros, cujos nomes nem sabemos, mas que habitam o quartel da marinha, a cadeia central ou a ilha das galinhas?
Perante as motícias de mortes enclausuradas que nos chegam de Bissau, perante a variedade de explicações técnicas para estas mortes, temos o direito de duvidar das explicações, em primeiro lugar.
Em segundo, também nos assiste a legitimidade necessária para perguntar: onde estão os outros presos?
Que se passa afinal nas prisões da Guiné Bissau, onde é possível morrer de anemia e avitaminose?
Agostinho Gomes é a última vítima conhecida. Quantas mais aparecerão nas páginas dos jornais, em notícias meio escondidas?
Que pode existir na Guiné Bissau que vai eliminando, aos poucos, aqueles que elegeu como «melhores filhos da terra»?
Quem pode explicar à opinião pública internacional tudo isto?
Como se pode ficar indiferente a esta informação necrológica que ciclicamente vem de Bissau?
Há tanta gente a combater o terrorismo...
Morrer gente na cadeia, mesmo que seja à míngua de alimentos, é uma violência que não cabe no nosso tempo. A verdade é que não coube em tempo nenhum, embora tenha havido a inquisição, o nazismo, a gestapo, a pide, etc..
Como se pode pode chamar este fenómeno tipicamente guineense?
No fim das linhas fica-me a angústia de não ter mais do que perguntas. Quem tem as respostas?"
No mês seguinte, Nino (João Bernardo) Vieira dava a resposta mandando fusilar mais seis "adversários".
Esta foi a História de há 11 anos, mas, entretanto, depois de muitas voltas, o povo da Guiné Bissau voltou a aceitar o carrasco das suas esperanças.

2007/08/12

A História feita pelo "Africa" (1)


As notícias que chegam da Guiné Bissau são preocupantes, cada vez mais: é o corolário do pós-14 de Novembro de 1980, data de um golpe de estado promovido por forças que fizeram de Nino Vieira o presidente da República, sendo ele, na altura, primeiro-ministro. A partir daquela data a incapacidade de os guineenses montarem um Estado foi-se acentuando.
Em Junnho de 1986, Nino Vieira mandou fusilar seis ex-combatentes da luta de libertaçâo, considerados seus rivais na disputa da presidência da República. Um deles foi Paulo Correia, cuja imagem reproduzo aqui, tirada da primeira página do nº de 23/7/86 Os outros foram Viriato Pan, Binhaquerem Na Tchanda, Pedro Ramos, Braima Branquita e Nbana Sambu.
No nº de 23/7/86, o Jornal "África, além de interrogar se Nino seria o próximo, dava a notícia, dizendo que aquele "crime legalizado" poderia "arrastar a Guiné Bissau para a desintegração como Estado uno e Independente".
No nº anterior, de 11/6/86, na minha crónica com o título genério "DIRECTA", cuja imagem também aqui reproduzo, para além de manifestar as minhas dúvidas sobre a possibilidade de Paulo Correia entrar numa aventura de golpe de Estado, eu chamava a atenção para o facto de a Guiné Bissau, como Estado, estar a ficar com a fome e a guerra como únicas alternativas. Foi o que aconteceu de lá para cá.
O responsável pelo actual estado de coisas, pela verdadeira insolvência do estado da Guiné Bissau é Nino Vieira, que, durante muito tempo, para sobreviver fez prevalecer a sua condição de chefe de estado junto das "duas Chinas ". Sempre que visita Taywan recebia uma avultada quantia numa das suas contas bancárias. Agora, de novo presidente da República, como não pode fazer o mesmo jogo, transformou o território em zona de passagem de droga. A Guiné Bissau, não sendo um estado credível, começa a ser, de facto, um perigo para a região e não só.
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2007/08/09

As Visitas ao "África"


Ao longo dos seus sete anos de vida (uma eternidade...!!!), o "África foi procurando manter com as comunidades africanas instaladas em Portugal um contacto permanente. Mesmo com as chamadas autoridades institucionais, como por exemplo, os embaixadores.


Angola, quer pela importância que tinha, naquela altura, do ponto de vista noticioso, já que era um país em guerra, quer pelas relações muito estreitas que ligava uma maioria da redacção áquele país, era especialmente considerado.


Enquanto foi embaixador de Angola em Lisboa, Rui Mingas sempre teve connosco uma relação privilegiada e de amizade. Houve uma ocasião em que nos fez uma visita. Aqui está ele comigo e com o Leonel Cosme, em plena redacção. Na fotografia da esquerda ainda se reconhece João Simons, que naquela altura tinha um papel importante no gabinete de imprensa da Embaixada de Angola

2007/08/08

O "Pinoneirismo" do "África"

O "África" foi seguramente pioneiro em muitos aspectos da comunicação social em Portugal. Fomos o primeiro jornal a abandonar o fastidioso modelo "anopiano", em que os jornalistas se aventuravam apenas pelos números e pelos factos. Nunca arriscavam opinião.

Nós entrávamos pelos números, analisávamos os factos e opinávamos.

No que a África diz respeito, também fomos os primeiros a opinar e abrir as portas aos que estavam interessados noutras vidas para além do seu espaço.

Na cultura disponibilizámos as páginas do África aos intelectuais africanos e não só: também falávamos dos que escreviam sobre África e registávamos as suas opiniões. Esta fotografia representa o momento em que eu e o Fernando Alves, em 1988, entrevistávamos o Carlos Vale Ferraz, a propósito do lançamento do seu livro, "Soldadó".

Agora que estou com tempo para ir mexendo nos arquivos do "África" aproveitei a oportunidade também para me mostrar a mim próprio e ao Fernando, naqueles tempos de luta feroz pela sobrevivência de um jornal que muitos queriam ver morto.

2006/05/21

Maputo "by moto"

Esta fotografia é de 1988 e foi tirada pelo Kok Nam. Eu e o Sérgio Santimano, na moto dele, então fotógrafo da AIM e que me acolheu em casa durante uma viagem que eu fiz a Maputo para fazer a cobertura de uma reunião dos cinco chefes de estado dos PALOP's.

Como todas as viagens que elementos do África faziam esta também foi difícil. E sempre pela mesma razão: não havia dinheiro para as despesas, nem sequer para o alojamento.

Nesse já longíncuo ano de 1988 fui, todavia, recebido com galhardia pelo Sérgio e por todos os colegas da AIM, então dirigida pelo Carlos Cardoso, um verdadeiro militante do jornalismo "engajado", um líder nato que, também sem recursos, conseguia manter em funcionamento uma das poucas agências de notícias africanas.

A propósito desta viagem recordo-me de um incidente que o tempo ajudou a lembrar com um sorriso, mas que, na altura foi doloroso. Para sair do aeroporto do Maputo era necessário pagar uma taxa de uns quantos dólares - que eu não tinha. Os meus amigos já se tinham ido embora e eu estava rodeado de gente desconhecida. Com a coragem reforçada dirigi-me a um "senhor"compatriota a quem disse quem era e expliquei o meu problema. O "senhor" tratou-me como a um mendigo, emprestou-me a quantia necessária, frisando muito bem que a queria devolvida no dia seguinte no seu escritório.

Assim foi feito.

Este "África" teve muitas destas estórias.

Ao fim de alguns meses voltei a este blogue para recordar uma amizade - o Sérgio Santimano, que continua a viver entre a Suécia e Moçambique, com a sua mulher, Eva, de quem guardo as mais gratas recordações pela simpatia com que me recebeu em sua casa, sem me conhecer.

O Sérgio passou recentemente por Lisboa, tem uma exposição no Porto e um programa de televisão da RTP África, o "Latitudes" fez com ele uma reportagem que há-de ser exibida um dia destes.

Durante a sua passagem por Lisboa falámos daquela minha viagem ao Maputo e, gentilmente, mandou-me a fotografia que a ficou a assinalar. Aqui fica ela.