2005/10/09

Reedição

Para ir alinhavando parte da estória do "África", sempre que posso vou folheando o dito. Hoje tinha a intenção de contar a minha viagem a Cabo Verde na comitiva de Cavaco Silva, num C-130 para lá e no avião da TAP para cá e em que tive o desgosto de ouvir o então vice-presidente e financiador do PSD, presidente da Portugal Telecom, engº. Luís Todo Bom dizer que o "África " era "uma merda" e não percebia a razão porque eu viajava na comitiva.
Era o azedume do PSD, que não entendia a posição do "África" relativamente à inexistência de uma política africana. Era um desabafo de alguém suficientemente medíocre e sectário para não acreditar que alguns anos mais tarde poderia ter que sujeitar-se a prestar contas por actos de gestão perfeitamente danosos para a empresa a que presidia, simplesmente porque o tal passageiro "a mais" se lembrou de mandar executar uma auditoria a um sector da empresa que dependia directamente dele.
A estória, todavia, fica para outra vez, porque hoje não resisto à transcrição de uma crónica que assinei num jornal de 28.05.86 , cujo conteúdo se mantém totalmente actual.
Directa
Este jornal é diferente. Não estou a dizer que é melhor ou pior. Aqui reflectimos ainda o espírito das palavras que servem para galardoar lutas velhas contra a repressão da informação - entre outras coisas.
Este jornal é ponto de encontro para muita gente - que ainda acredita. Gente que se reúne em "tascas" operárias desta Lisboa que é, cada vez mais, um mundo novo, que a mim, particularmente, se abre à descoberta.
Neste jornal, e em Lisboa, continua a ser possível falar de África, sonhar com África, mas sem os limites apertados, definidos por gente que, em nome de África, transportou para África ideias e práticas das cidades que já não têm "tascas" e tudo industrializaram.
Neste jornal ainda nascem lágrimas livres em olhos de gente que circula por aí, à procura do espaço aberto, do cheiro a terra molhada,
Rolam ainda algumas que já não são de saudade, mas de raiva, pela esperança perdida, à vista das raízes desenterradas, sujeitas ao frio, à chuva e ao calor. Há lágrimas que choram a cor perdida das tardes de cacimbo.
Umas e outras são, contudo, determinação - em ficar, de raízes à mostra.
Neste jornal não há corredores alcatifados, segredos de bastidores. Anulou-se a gravata, decretou-se o amor como lei fundamental da vida - aqui fala-se com o coração.
Por isso somos assim, agressivos.
Por isso, somos assim, abertos à ternura de palavras como irmão, solidariedade, terra.
Por isso, podemos dizer aos homens das gravatas, que pisam chãos alcatifados e sussurram nas esquinas intrigas de poder, que parte da verdade está connosco.
Por isso, digo hoje - também em nome dos que por aqui passam - que os problemas com que parte de África se debate se resolvem com os filhos de África que por aqui andam a penar competências sem paixão.
Também por isso me atrevo a dizer que as dependências forjadas em alianças compreensíveis se resolvem com as alianças da terra, ditadas pelo coração.
A falta de amor está a queimar África - digo eu.
Sei que na terra queimada, que é já parte de África, me vão classificar com palavras cheias de "ismos".
Que importa! Nenhum dos que me classifica pode respirar o ar de liberdade e confraternização de que eu continuo a desfrutar, em chão sem alcatifa. Continuo a não usar gravata e a não gostar de corredores, pelo que continuo a poder dizer aos dirigentes de África que melhor fariam se apelassem aos africanos que por aqui andam a derramar lágrimas e competência.
Eles valem bem mais do que os batalhões de estrangeiros que vão para África derramar racismo, paternalismo e arrogância.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro LESTON BANDEIRA.
Acabo de ler sobre o jornal AFRICA, do qual fui tambem leitor assiduo sempre que pude.
Assino embaixo sobre sua importancia, pertinencia, e qualidade.
Gostaria de retomar contato, por varias razoes. Estou de volta ao Brasil. Uma das ultimas vezes q nos vimos foi com o STOCKINGER - lembra-se de um 25 de abril em Praia ? e de N telefonemas, teletipos e depois materia importante publicada por voce ?
abs
Marcos Guerra
mjguerra@digi.com.br