2005/07/31

Começo IV

Não é bem, mas parece um telenovela brasileira.
Estamos então em Bissau 77/78.

É embaixador de Portugal, António Pinto da França, que, apesar de toda a sua habilidade como diplomata não conseguia - percebia-se - convencer os poderes de Lisboa que valia a pena apostar na divulgação cultural, no incremento do ensino da língua em moldes correctos e não partindo do princípio de que o português era a língua materna de toda aquela gente.

As relações dos cooperantes com a embaixada não eram as melhores. Continuo a pensar que, durante este ano lectivo Bissau teve um grupo de professores especialmente dedicado e profissional. Alguns anos depois, quando regressei à Guiné Bissau, como correspondente da ANOP para ser expulso ao fim de 40 dias do exercício das funções (aqui está mais outro parêntesis prometido), ainda se falava da excelência desse grupo.

É verdade que também aconteceram alguns azares, como, por exemplo o caso do Luís Vaz - até há pouco tempo director de um dos colégios da Casa Pia - que resolveu fazer discursos políticos na festa de finalistas dos alunos do Liceu e acabou por ficar retido em Bissau durante alguns meses.

E houve, igualmente, em Agosto de 1978, uma cena da polícia política, a segurança, comandada por um senhor chamado Buscardini - que haveria de morrer durante o golpe de 14 de Novembro de 1980 - que queria obrigar alguns de nós a ir buscar os passaportes à Segurança, uma espécie de ameaça que se usava como que querendo submeter os portugueses ao mesmo tipo de medo a que se sujeitam os nacionais.

É que apesar de toda a moderação, a Guiné Bissau era governada por um partido único, que também governava Cabo Verde e, por aquelas alturas o poderio militar dos guineenses era ainda assinalável. Na polícia política havia a cooperação cubano-soviética, bem como nas forças armadas. Era tudo muito secreto.

Bom... a verdade é que, pela minha parte, comuniquei ao embaixador de Portugal que o facto de a polícia política ter ficado com o meu passaporte para lhe colocar um visto de saída era um problema dele e não meu, pelo que o sr. embaixador foi falar com o sr. Buscardini e lá se revolveu o problema. Não saímos de Bissau a 5, mas a 12 de Agosto. Uma semana por causa de uma birracom uma explicação:
A maior parte dos alunos dos cursos da noite eram, de facto, os funcionários do aparelho de estado e necessitavam de obter aprovação nos exames para subirem nas carreiras. É verdade que alguns se esforçavam, mas outros, como se entendiam a si mesmos como heróis pelo esforço a que se sujeitavam cumprindo horários pesados de aulas à noite, depois de um dia de trabalho, recorriam a todos os estratagemas. Sobretudo os que trabalhavam em sectores chave, como por exemplo, a tal segurança.
Por exemplo, um deles, em pleno exame, enquanto olhava para a folha de papel em branco ia-me "informando" que o meu passaporte estava com ele. E nós dependiamos de um visto de saída, mesmo depois de terminado o nosso contrato...

2 comentários:

Lyra disse...

:) gosto de ler estas memórias.

Anónimo disse...

Meu irmão maior, estás em forma (de ó aberto, não de ó fechado;o pronto a pensar vigente não te formatou).
E, pergunto, como quando iamos colados às paredes do Lubango a fintar as bjr's (eu transido de medo, protegido pela tua coragem):
Que tal, enquanto não vem um projecto bué de fixe (é com U, é.. eu estava redondamente enganado), darmos corda a um blog cheio de sul. Africandar por aí, blog, blog...
Desde que me digas como é que se faz, até de férias envio cibercafezadas suaves.
Estas tuas conversas fazem sede pra caraças.
O que é que achas? E o Rola? E o António? E o Patraquim? E o...
Abraços
Fernando Alves