2005/07/28

O "África" Hoje

Está aí, algures, um comentário que é bem de um amigo: do António Gonçalves ( só não percebi por que razão aparece outro nome a anunciar o dele próprio... enfim, coisas da Net)
Não é que ele sugere a possibilidade de o "África" de ontem ser mais útil hoje? E atreve-se a insinuar que eu seria capaz de o fazer ?
Confesso que fiquei parado. É que nos últimos dias fui ao sótão e estive a reler, a reler e entre cada leitura, as estórias foram fluindo, pareciam cerejas, palavras, eu sei lá, o passado a mexer-se. Lá estavam o Xavier, o João Van Dunem, o João Carneiro, O José Moreira. As reportagens de guerra , no Cuito Canavale ( que a imprensa internacional classificava de cidade), O Saara e a Frente Polisário, as críticas às plantações de fuba, descritas por uma jornalista de visita à Jamba.
Lá estava a Marina, o Miguel e o Zé (Higino) , a Ana Consolado, a escorregar pela parede e a atirar o correspodente da Nova China para dentro do blindado: um chinês verde, a vomitar, borrado de medo: as tropas do Savimbi ( leia-se África do Sul) tinham bombardeado um grupo de jornalistas com a célebre G-5.
À medida que ia lendo, apareceram outros: o Eugénio, a lutar pela sobrevivência, o Loja Neves a lutar pela carteira profissional que o Expresso lhe recusava, a Valentina, impodo-se pelo querer, o Miguel Rego, cheio de dúvidas , e, mais tarde a casar com a Zé, nas instalações do "África" , já na Possidónio da Silva. Com cerimónia e tudo. Éramos uma equipa, daquelas que pode ir à Lua e regressar.
E nessa equipa, lá estava o Fernando Alves, sempre em cima da hora e sempre com a língua de fora em trejeitos inimitáveis, a escrever a sua crónia " Boé de Sede", uma das coisas que ele melhor conseguiu e que só por si garantia leitura obrigatória em muitos sítios de África . Lúcio Lara, por exemplo, aguardava ansiosamente, o seu exemplar do "África " para ler o "Boé de Sede".
Boé ou Bué ? Grande discussão! Não estou nem aí.
Com todo este filme a passar-me a correr na memória, conseguiria, eu, hoje, dirigir um jornal onde a carreira de cada um fosse determinada por um diploma?
Que faria do Rui Parracho, o mais competente deles, na banca, na escrita, mas avesso ao carreirismo?
Como receberia hoje alguém como o AguaLusa, a quem demos a carteira profissional, que escreveu o que não devia nas costas do Director, prosseguiu na mentira, mas tem o talento da ficção?
Como conseguiria hoje resolver os problemas provocados por ter à frente um presidente da República, que, nervoso, não conseguia articular uma palavra e, para bem dele e minha tranquilidade, resolvi abandonar a sala, puxado pelo braço amigo do Mário de Andrade? É que ele está aí de novo, com a mesma ignorância, mas com o mesmo carisma...
Como suportar a arrogância dos embaixadores, detentores de uma confiança pessoal ilimitada mas nula preparação técnica, imaginando-se a si próprios imperadores da Turrquia ou coisa que os valha. E não falo apenas de embaixadores africanos em Portugal...
Como encarar a "concorrência" feita de revistas coloridas cujos proprietários estão dispostos a apostar num novo negócio, o das "publicações de temática africana"?
Entre estas, para além do inimitável "ÁFRICA hOJE", cujo título era do Xavier de Figueiredo, publicava-se uma outra de uma organizaçlão chamada ELO, por onde passavam as chamadas iminências pardas do colinialismo e que achavam "entender de pretos". Entre essas ilustres figuras estava o Luís de Sousa Macedo, mais tarde Secretário de Estado do Cavaco e hoje, por obra do Espírito Santo, Secretário Geral da Portugal Telecom SGPS, responsável, nomeadamente pela área social de patrocínios - todos direitos para o futebol e outras coisas do género.
Que fazer?
Oh! António! Tu achas que há condições para erguer um projecto jornalístico tão idealista, tão isento, tão preocupado como o foi o "África"?
Ou tu achas que eu perdi força e estaria na disposição de encabeçar um projecto de informação sem orientação, sujeito apenas às leis do mercado e sem se preocupar com a mensagem transmitida? Esta não é, seguramente, a tua ideia.
Se houver alguém capaz de me garantir que eu posso fazer um jornal de que me possa orgulhar tanto como aquele que fechei a 31 de Maio de 1991, então vamos a isso. Força não falta!
António Gonçalves, meu querido amigo, tens a tua resposta.

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