É verdade: de repente, assim como se tivesse dado um salto para trás, vêm-me à memória pequenas estorias (as tais que fazem a História). O tal debate da RDP África foi a gota de água para me obrigar a reler o "meu" jornal e voltar a orgulhar-me do que fiz e do que permiti fosse feito.
Por exemplo, o "África" foi o único jornal português que, durante os sete anos em que existiu, nas suas várias versões, nunca fechou a porta a Timor Leste. Sempre nos batemos pela Independência de Timor, sempre acolhemos os textos dos dirigentes da FRETILIN, sempre lhes demos o nosso apoio.
Tanto assim que, um dia, nas habituais conversas que se seguem às entrevistas formais com os governantes, Durão Barroso me perguntou por que razão nós continuávamos a falar de Timor Leste: "é uma causa perdida" - garantiu-me. Afinal, não era e alguns anos depois não deixei de me surpreender com o entusiasmo de Barroso com a Libertação de Timor, que acabou, de resto, por ser uma das grandes causas nacionais portuguesas.
Há entre os actuais dirigentes timorenses quem não se esqueça do "África", embora manifestem a sua gratidão sempre de forma discreta. Teria sido bom que, na altura própria, tivessem gritado o seu obrigado a um jornal, que, não sendo de ninguém, sabia ser de quem dele precisava.
2005/07/23
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Reformado, retirado, desinteressado e sem pachorra. Terei já, penso eu, perdido o jeito de intervir, usando a caneta. Para lá do estreito horizonte só me resta o telemóvel, que foi chegando quando eu abalava de cena.
Entretanto governos e ministros foram alternando, enquanto por cá me entretive a não prestar atenção, encolhendo os ombros e resmungando um «já não é comigo».
E nem é comigo a ira de Leston Bandeira, que me apareceu bruscamente diante dos olhos, ao navegar no computador da neta. Não é, bem entendido, uma guerra minha, mas até por isso me intrometo, dando de barato o não ter sido para aqui chamado.
Eu pertenci ao corpo redactorial do «África». Não foi um período longo, mas foi agradável O salário não era alto – justamente o que prescrevia como mínimo o sindicato, à altura. O gosto pela tarefa compensava.
Sem pressões, nem encomendas, fui absorvendo a linha do semanário. África tinha-me ficado no sangue e, ali, naquele pequeno núcleo africanista, senti-me como peixe na água. É certo que tive alguns problemas com a Redacção, porque não tinha (e ainda hoje não tenho) um relacionamento dócil nem fácil. Meros problemas de trabalho. Num desses choques, um familiar de Leston Bandeira ser afastado.
Conheci Leston Bandeira no decorrer de uma deslocação a Angola de um grupo de jornalistas de vários países. Embora «angolanos» os dois, não nos conhecíamos, nem de Angola, nem já de Portugal. Foi essa curta estadia, aliás atribulada, que nos aproximou e o deve ter motivado a convidar-me para o seu Jornal.
O «África» tinha impacte e eco. Mas não tinha publicidade. Prestava um serviço à comunidade africana, designadamente à de língua portuguesa, sem contrapartidas regulares ou aparentes. As dificuldades eram frequentes e um que outro atraso nas mensalidades. Mas ninguém ficou sem o seu salário.
Fretes não se faziam. Não fiz e não exigi que se fizessem. A Leston restava a página de opinião que expressava e assinava.
Em determinada altura, quando se escolhia a personalidade africana relevante do ano, escolho, de livre arbítrio, De Klerc, então chefe do governo sul-africano. Nunca foi meu hábito, quando se tratava de tomar decisões, perguntar as horas a outros. Sei que houve, na altura, algumas divergências, mas Leston Bandeira mandou a maqueta da primeira página, com De Klerc, para a oficina. De outra vez, fui a Paris, entrevistar Holden Roberto, à época pouco do agrado dos poderes executivos de Luanda. Antes disso já divulgara pormenores de contactos entre dirigentes do MPLA, com Holden Roberto, para possível entendimento entre as duas forças políticas angolanas e, desse modo, isolar a Unita, de Savimbi. A notícia causou natural embaraço ao governo de Luanda. Fosse qual fosse a ligação que o Jornal eventualmente mantivesse, a linha editorial era livre e isso foi sempre claro. Como claras seriam depois as acusações à independência do «África», ao qual, como muitos outros colegas, me orgulhei de pertencer.
Não sei se o meu trabalho lhe foi de alguma utilidade, sei que lhe causei alguns dissabores, com terceiros, mas o seu comportamento com a Redacção foi sempre impecável.
Saí do Jornal por razões pessoais e familiares. Foi com tristeza e algum pasmo que soube do encerramento do Jornal, que era um projecto cujo interesse para a comunidade luso-africana era manifesto.
António Gonçalves
Enviar um comentário