2005/08/18

ANOP versus NP

A ideia que de longe eu tinha sobre a eventualidade da existência de dois grupos, na ANOP, um a favor da extinção e outro contra, acabou por se revelar falsa. Na verdade, a partir do momento em que a NP foi lançada, o grupo dos que estavam do lado do projecto ANOP foi reduzindo e assitiu-se a cenas verdadeiramente degradantes.
A certa altura fiquei com a sensação de estar sózinho. Pelo menos no sentido em que lutava, em que me manifestava. E mesmo sózinho, tinha uma estratégia.
Um dos objectivos claros da NP era tentar abrir delegações em África, para, dessa maneira, eliminar um dos principais trunfos da ANOP. Afinal, era a partir de África que Portugal acrescentava alguma coisa à corrente informativa internacional.
O Governo estava claramente do lado da NP e tentou mesmo transferir a aparente "guerra" entre ANOP e NP para os Palop's, começando por Cabo Verde, considerado o regime mais moderado e também aquele donde, afinal, saíam notícias verdadeiramente novas.
Numa operação política pouco apreciada na Cidade da Praia, José Alfaia forçou uma visita a Cabo Verde, onde ia explicar a criação de uma outra agência. Num jantar protocolar, com os habituais discursos, Corsino Fortes, o secretário de estado cabo-verdiano da comunicação social pôs, com elegância (Corsino é um cultor da língua portuguesa), os pontos nos ii's. De tal forma que Alfaia, em certas passagens, até perdeu o ar; ficou lívido e percebeu que dali não levava nada.
Contaram-me, porque eu recusei ir ao tal jantar.
A operação seguinte foi desencadeada por Luís Fontoura, secretário de estado da cooperação, que foi, igualmente, a Cabo Verde para as habituais reuniões das comissões bilaterais de cooperação. Fontoura levou consigo o director-adjunto da NP, Wilton da Fonseca, um brasileiro simpático, com grande experiência dos bastidores.
Wilton ficou mais de duas semanas em Cabo Verde, entrevistou quase toda a gente, inclusivé o Presidente da República, Aristides Pereira. O primeiro-ministro de então, Pedro Pires, proibiu o pessoal político do seu gabinete de falar com o director adjunto da NP.
Eu falei com Corsino Fortes, quando soube da marcação da entrevista a Aristides Pereira. Tentei explicar-lhe ,e consegui porque ele entendeu, que a NP estava a transferir a "guerra" com a ANOP para Cabo Verde. Lembro-me de, na altura, lhe ter recordado um ditado africano: "quando dois elefantes lutam, quem sai mal é o capim" e acrescentei: "a luta aqui é de coelhos, mas o capim também é pouco".
Wilton da Fonseca saíu de Cabo Verde a uma segunda-feira de manhã, dia 6 de Março e quando, ao fim da tarde, chegou a Lisboa, tinha em todos os telexes, com campaínhas, a notícia:"Aristides Pereira pensa abdicar do cargo".
Foram 15 dias de trabalho atirados para o lixo: a entrevista com o Presidente da República não respondia à principal pergunta do momento e todo o quadro de análise da situação cabo-verdiana tinha deixado de fazer sentido.
No dia seguinte era feriado em Cabo Verde, Dia Internacional da Mulher. Estava eu a jogar ténis, quando apareceu o motorista do secretário de estado cabo-verdiano da comunicação social. Que o sr. queria muito falar comigo. Respondi que iria só mudar de roupa. Que não, que fossse mesmo assim. E lá fui.
Quando entrei no gabinete dele, tinha na mão um telex da France Press, com a notícia da resignação de Aristides Pereira. E perguntou-me: "então, a guerra já começou...?" Eu, olhando o telex disse: "essa notícia não é da France Press, é minha e o sr. e mais meia dúzia, se não uma dúzia de pessoas sabe que o sr. presidente tem falado aos amigos da intenção de se retirar brevemente. Quanto à oportunidade da notícia, que hei-de fazer?Por uma vez na vida decidi a meu favor".
Os dias seguintes foram terríveis. Aristides Pereira estava em Nova Delhi com o ministro dos negócios estrangeiros. Alguém me contou depois que Silvino da Luz espumava a pedir a minha expulsão do país. Aristides Pereira, na viagem de regresso, quando lhe faziam a pergunta sorria com aquele seu sorriso simpático e nada dizia. Não desmentia, nem confirmava. Da ANOP não me largavam, queriam uma confirmação do próprio.
A Comissão Política do PAICV reuniu e houve alguns dos seus membros, os marxistas mais ortodoxos, que pediram a minha expulsão. Aristides Pereira acabou por admitir as conversas a respeito de uma eventual resignação e Pedro Pires, com quem eu nunca tinha falado, defendeu o meu direito à notícia. Assunto arrumado. Pelo menos por ora...
A questão das agências portuguesas foi, entretanto, discutida numa reunião dos ministros da comunicação social dos cinco países de língua oficial portuguesa. Todos foram unânimes em não dar apoio à NP e de lá chegaram-me informações sobre as verdadeiras razões das manobras portuguesas no domínio das notícias.
Devo confessar que, entretanto, desenvolvi algumas actividades de bastidores, chamando a atenção para aspectos menos inteligentes do processo. Um deles era óbvio: o nome da agência - Notícias de Portugal. Em África, onde a saída da informação era muito limitada, ninguém gostaria de ver a sua realidade retratada sob a tutela da antiga potência colonial. Balsemão, Alfaia, Barroso e Cª foram pouco inteligentes.
Para além do objectivo interno de tirar força à ANOP, no plano externo havia cruzamento de muitos interesses, já que os cinco eram, praticamente território vedado às grandes agências internacionais.
O envolvimento de José Alfaia em toda a manobra seria - disse-se nessa reunião - compensado com uma participação nos negócios do petróleo.
De posse dessas informações, colhidas de fontes insuspeitas e fidedignas ( a verdade é que Alfaia foi mesmo para a Partex, onde se envolveu no negócio dos petróleos) escrevi um texto em que descrevia o teor da fundamentação da extinção da ANOP, dizendo, inclusivé, que o Presidente da República, General Eanes, conhecia o dossier.
Enviei o texto para o então director do Expresso Augusto de Carvalho, que me prometeu publicá-lo na semana seguinte.
Nem na seguinte, nem na próxima, nem na outra a seguir e, quando eu tentava falar com ele aparecia sempre alguém a dizer que o sr. dr. não estava. Um dia, atendeu-me a Fernanda Barão, cuja voz, evidentemente, reconheci logo. "Queres chegar muito alto" -. disse-me ela .Fiquei sem saber o que é aquilo significava, mas também não ,interessava.
Nesse mesmo dia escrevi um telex ao Augusto de Carvalho, dizendo, resumidamemente: " tens em teu poder um texto que te enviei há várias semanas e que nunca foi publicado apesar das tuas promessas. A partir deste momento, o texto volta à minha posse e tu não o poderás utilizar de forma alguma".
Telefonei ao meu amigo Rui Pimenta, contei-lhe o que se passava e ele pediu-me o texto para entregar ao Mário Mesquita, então director do Diário de Notícias, que não me conhecia, mas a quem fiquei muito grato pela manifestação de confiança, ao publicar na íntegra o texto, que não teve - acrescente-se - qualquer desmentido. Nem Eanes se atreveu a dizer que não conhecia as verdadeiras razões da extinção da ANOP.
Abro aqui um pequeno parêntesis para dizer que nunca na minha vida profissional de jornalista tive um único desmentido.
Foi o fim da NP. A partir daquela altura, a estratégia foi a de juntar as duas agências numa única, a Lusa, que ainda hoje existe, mas que nunca teve um projecto capaz.
Para finalizar este episódio, apenas um pormenor: algum tempo mais tarde, quando me encontrei com JM Barroso, ele não resistiu a acusar-me de lhe ter destruído o projecto da NP. Hoje ele é director da Lusa e eu escrevo este relato retrospectivo, para me defender de algumas acusações que foram feitas com o objectivo de me eliminar profissionalmente e também para não perder o treino, já que os jornais, as televisões , as rádios e, ao que parece, as agências, deixaram de ser locais recomendados para jornalistas.

Sem comentários: