Em Lisboa, tinha-se alterado a relação de forças e o António Ramos, spinolista, conselheiro de Eanes, estava em conflito com os restantes membros do Conselho de Administração. A secção África tinha entrado no esquecimento. Quando cheguei à capital, reivindicando o meu posto de trabalho, foi " o cabo dos trabalhos". JM Barroso, que se aliava com toda a gente,não estava muito pelos ajustes. O Sindicato, comandado pelo Fernando Cascais, então um comunista mais ortodoxo do que todos os que já me tinham calhado na rifa, propunha que aceitasse entrar como "estagiário". Ora, eu tinha começado a trabalhar na Rádio e nos jornais há 18 anos e até já tinha chefiado uma delegação da ANOP, sem reclamações - talvez o José Vitorino, em Faro, não tivesse gostado que não lhe aceitasse as notícias que ele já levava redigidas, com erros de ortografia e tudo...
Num primeiro round desta batalha, acabei por dizer ao JM Barroso que estaria em casa à espera das instruções dele. Como não tinha telefone e vivia em Sta. Cruz, perto de Torres Vedras, era necessário dar-me notícias por telegrama.
Durante dois meses assumi a minha função de carpinteiro, fazendo mobílias para a família, dediquei-me aos filhos, tentei fazer uma horta e esforcei-me por aprender mecânica, porque tinha um carro velho, de 1959, impróprio, por isso, de oficina. Nas Brejenjas havia um sucateiro que me vendia peças e eu ia fazendo do meu mini Cooper uma verdadeira máquina. Nos intervalos lia e escrevia qualquer coisa. Os amigos estranhavam a minha passividade, mas eu sempre vivi grandes acalmias entre grandes turbilhões
Até que um dia, quando estava no meio da construção de um móvel que a dona da minha casa me tinha encomendado, recebi notícias da direcção de informação da ANOP. Era mais um furacão que se formava no alto mar. No horizonte tudo era escuro
Lá fui.
Passaria a fazer os boletins informativos para a emigração. À tarde, porque de manhã, eram feitos pelo Belmiro Vieira, ex-director do Diário de Luanda, irmão do mais universal dos poetas cabo-verdianos, o Arménio Vieira, meu prezado amigo, e fundador, entretanto de " O Correio da Manhã".
Outro conflito à vista.
Nesse tempo, já era presidente da ANOP Suleyman Valy Mamede, chefe da comunidade islâmica em Portugal, vindo de Moçambique e que se tinha transformado no homem de confiança de Sá Carneiro para a informação.
Um dia, o Belmiro ficou à minha espera, para me tentar convencer de que a minha selecção de notícias era muito complicada, porque dava aos emigrantes uma ideia errada do que se passava em Portugal: "tu só falas de greves e coisas do género..." ao que eu respondi: "não te preocupes porque, como tu só fazes citações de Sá Carneiro e coisas do género, a visão que os nossos compatriotas têm do país não pode deixar de ser equilibrada..."
Eu continuei a definir os critérios das minhas notícias e ele o das dele. Tudo bem. Nada. Valy Mamede chamou-me, para me explicar o que já Belmiro tinha tentado. Debalde. Recebeu a mesma resposta.
E eu continuava, aos fins de semana a fazer de carpinteiro, pedreiro, mecânico, canalizador. E ainda com tempo para sonhar.
O meu jornal ia crescendo na minha cabeça, sempre que tinha as mãos ocupadas, com as ferrramentas ou a acariciar o mais novo. O mais velho andava apaixonado. Tinha chegado de Angola e descobrira na Escola, primeiro que em Portugal a política era um jogo de "betinhos" e, depois, uma loira bem bonita. Não parava em casa, o que me lembrava a minha própria adolescência, vivida, felizmente para mim, em condições bem mais felizes.
Valy Mamede, Belmiro Vieira e JM Barroso decidiram acabar com os meus boletins para a emigração.
Fui colocado na secção internacional, isto é, passei à carreira de tradutor. A ANOP era ainda, nessa altura, uma magnífica agência de notícias no plano interno, a que juntava alguma informação de África, com o Xavier de Figueiredo em Bissau e o Jorge Heitor em Moçambique, mas no plano internacional, não passava de um retransmissor das grandes agências internacionais.
Não deixei, por isso, de me entregar ao trabalho com afinco. Aprendi muito com os companheiros que tive, de que destaco a Fernanda Barão, a Luísa Ribeiro, O Artur Margalho, o Luís Paixão Martins - um desk impecável e implacável.
Até que chegou o dia de o Xavier querer vir de Bissau. Propuseram-me a sua substituição. Estou convicto de que mais para se verem livres de mim do que por me considerarem capaz de descascar aquele ananaz que o facto de o Xavier ter ficado com linha aberta durante o golpe de 14 de Novembro de 1980 tinha feito nascer.
Lá fui. Em 18 de Fevereiro de 1980. Tinha o Xavier de Figueiredo e uma cidade em bem piores condições daquela que tinha deixado em 1978 à minha espera.
2005/08/09
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1 comentário:
Leston, meu caro: Estou a rever-me "impecável e implacável". O sound bite é excelente. Aceita um abraço do LPM
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