2005/08/09

Bissau - Rafael Barbosa

Entre 1978 e 1980 tinha trocado com o Xavier algumas opiniões sobre o projecto que ambos idealizávamos - um Jornal sobre África. A minha ida para Bissau era a grande oportunidade de reavivarmos o sonho. Ele esteve 15 dias comigo e não perdemos a oportunidade. Lembro-me que, naquela altura, considerámos não ser ainda oportuno arrancar com ele. Não só porque as condições políticas não eram favoráveis, mas também porque seria difícil arranjar dinheiro.
Para ambos, a questão do dinheiro era menor, já que tínhamos a certeza que iriamos fazer um bom jornal e a qualidade mobilizaria os apoios necessários (tão lunáticos que cheiram a idiotas...).
Durante a nossa estadia conjunta em Bissau, o Xavier falava todos os dias no seu grande desejo de entrevistar o Rafael Barbosa, que estava em prisão domiciliar numa casa de primeiro andar, mesmo defronte do gabinete do chamado Comissário Principal (primeiro-ministro). Era um espectáculo: ao fim da tarde, toda aquela gente que saía da cidade e se dirigia para os subúrbios,para as respectivas casas, passava em frente à casa, onde, na varanda, estava sentado Rafael Barbosa. Toda a gente curvava a cabeça em respeitoso e discreto cumprimento.
Aquele homem, que tinha sido condenado à morte, libertado durante o 14 de Novembro, directamente para a Rádio onde foi anunciado como "um dos melhores filhos da nossa terra" e foi ovacionado por toda a cidade como se se tratassse da multidão de vários estádios de futebol juntos e onde fez um discurso anti-soviético, anti-cubano e anti-cabo-verdiano talvez tivesse sido uma hipótese de saída. Talvez...mas a verdade é que não se pode estar contra tudo e todos.
Ora bem, um dia, comigo a conduzir a Diane vergonhosa que a ANOP tinha em Bissau, saímos para dar uma curva e vermos, mais numa vez, o espectáculo da prestação de homenagem ao Rafael Barbosa. Chegados em frente à casa do homem, parei o carro,pus nas mãos do Xavier uma máquina fotográfica e um gravador e disse-lhe: "anda...sobe!"
Ele assim fez. Quando lá chegou, o polícia que tomava conta do "prisioneiro" mandou-o entrar. "O homem está à sua espera..." O Xavier ficou surpreendido, mas avançou e lá contou ao que ia. No meio da conversa ambos perceberam que tinha havido um equívoco. Barbosa estava à espera de um cooperante holandês e como o Xavier é mais parecido com um holandês do que com um português, ali estava a aproveitar o bigode loiro e a semelhança com os homens do Norte.
Fizeram a entrevista, gravada e com fotografias. Rafael disse tudo, ou pelo menos o que lhe interessava dizer. Era um documento importante, daqueles que qualquer jornalista gosta de ter em sua posse. Nessa noite comemorámos o acontecimento.
Um ou dois dias depois Xavier abandonou Bissau e entre nós tinha ficado combinado que qualquer coisa que ele fizesse sobre a Guiné Bissau teria de ser assinado, para que não houvesse confusões e não me fossem atribuídos os textos deles.
Entretanto, eu montei a minha rede (jornalista sem rede é palhaço). Entre os seus membros tinha um interlocutor directo de Rafael Barbosa, que, entretanto, tinha sido levado para uma cadeia a sério, junto ao Porto de Pidjiguiti.
Rafael Barbosa era precioso porque a sua capacidade de persuasão era tão grande que, em pouco tempo, tinha os carcereiros na mão. Além disso conhecia todos os homens que naquela altura constituiam a super-estrutura do Estado e alguns deles iam falar com ele à prisão.
Não resisto contar aqui, entre parêntesis uma estória interessante sobre um deles - o Yafai Camará, vice-presidente de Nino Vieira:no final da guerra, em 1974, Camará era analfabeto - não tinha havido tempo para a escola. Os camaradas do PAIGC levaram-no para o Mindelo, onde o matricularam na Escola, No final do ano, Yafai passou a terceira classe e os camaradas foram felicitá-lo . " Muito bem, Yafai, agora tens que fazer a quarta...""...Cusé tene mas?" ( o quê tem mais?) - perguntou o aflito estudante, futuro vice-presidente da República da Guiné Bissau.
Além do noticiário normal, muito do qual surpreendia claramente as autoridades guineenses, cuja estrutura suprema era um Conselho da Revolução (poucos deles sabiam que eu já tinha estado em Bissau e tinha, portanto, um conhecimento razoavelmente bom do tecido social), fazia muitos textos de opinião sobre a situação - alguns dos quais, com ligeiras diferenças, apareciam em jornais portugueses assinados por ilustres jornalistas "especialistas em assuntos africanos".
Nesses textos de opinião defendia muito claramente o diálogo com Cabo Verde e a reunião entre Aristides Pereira e Nino Vieira, que chegou a estar marcada para 12 de Março, no Maputo.
Estes textos desagradavam claramente a uma facção do Conselho da Revolução, comandada por Vitor Saúde Maria.

1 comentário:

Antonio Trabulo disse...

Desculpa não escrrver em chinês. Vou copiar este artigo,( que apanhei por arrasto) e aproveitá-lo para o nosso livro.
Um abraço
Trbulo