Dentro do princípio de que jornalista sem rede é palhaço, também montei a minha em Cabo Verde. Um jornalista não tem que montar uma espécie de rede de espionagem ou de contra-informação. Basta conhecer as pessoas, falar com elas , entendê-las e , obviamente, estabelecer algumas cumplicidades, descobrir interesses comuns, acertar regras, definir e cumprir compromissos
Com a rede montada comecei a projectar nela a minha especulação: e se em Cabo Verde se estivesse a construir uma solução negociada para os problemas da África Austral? O exemplo da capacidade ( mais do que isso, da inteligência) para o diálogo vinha-me das informações que, entretanto, ia colhendo sobre o processo de negociação com Spínola, de que já tinha ouvido falar em Lisboa, mas que, em Cabo Verde, ganhava outro sentido.
Com o propósito de apurar melhor a fiabilidade da minha tese, fazia pequenas notícias relacionadas com o tema e recolhia as reacções nos sítios certos. Fui tendo a certeza. Percebi que seria no Sal onde eu deveria actuar. O que acontecesse passaria por lá. Não foi difícil montar um esquema - que nem hoje revelarei, mas posso garantir ao ex-ministro Silvino da Luz, que não suportava as minhas incursões na área, que o delegado da SouthAfrica Airlines, que ele incomodou, não fazia parte da minha rede.
Foi então que a ANOP começou a aparecer na corrente internacional noticiosa. Na primeira linha. As conversações entre Angola, República da África do Sul, Swapo e Estados Unidos, realizadas bastas vezes, agrupando pares diversos eram um "top secret" que faz parte do meu curriculum como jornalista.
A primeira notícia sobressaltou a comunidade diplomática da Praia. O embaixador de Portugal, Batista Martins, um homem interessado e interessante (tinha feito parte do gabinete especial de acompanhamento da situação em Timor Leste no governo Pintasilgo), chamou-me assaranpantado: como é que ele não sabia de nada? Tive que lhe explicar que a minha relação com ele era exactamente no sentido inverso - dele, eu queria notícias...
A insistência com que eu noticiava as reuniões preocupou muita gente. Os americanos, que queriam recusar a Cabo Verde um papel no processo, às tantas diziam que o ambiente era muito fluido, pelo que, pelo menos havia que mudar de local.
Os cubanos, que recusavam o diálogo, mandaram expressamente à Cidade da Praia, o vice-presidente Juan Almeida Bosque, para tentar demover Pedro Pires de continuar com o processo.
Silvino da Luz protestava e tentava descobrir-me as fontes.
Paulo Jorge, o ministro angolano das relações externas, e que era frontalmente contra a hipótese da retirada das tropas cubanas, viu-se obrigado a pedir a demissão, já que no dia em que uma das reuniões se realizava no Sal ele, numa conferência de imprensa, se não me engano, no Senegal, negava tais encontros, evidenciando que estava fora do processo.
Renato Cardoso, que nessa altura era conselheiro político de Pedro Pires, um dia, disse-me: " já identifiquei o teu processo, fazes como o John Le Carré na Rapariga do Tambor". Eu ainda não tinha lido o livro, sorri e fui comprá-lo. Concluí que sim - o meu processo era semelhante, já que projectava na realidade uma ficção e depois recolhia o resultado que já reflectia a verdade. Depois era só confirmar com uma fonte especial.
A verdade era tão evidente que Pedro Pires foi obrigado a reconhcer, num comício, no Sal, que "Cabo Verde sempre se dispusera a ceder o seu território para encontros que visassem a solução de conflitos". Foi a confirmação oficial.
Em todo este processo há pequenos pormenores que hoje, a esta distância, me fazem sorrir.Por exemplo, o embaixador soviético, que recusou receber-me quando lhe pedi uma audiência, mandou pelo embaixador Batista Martins "un coup de chapeau".
As minhas notícias levaram Angola a falar, pela primeira vez, em diálogo e a admitir que a retirada das tropas cubanas poderia estar na mesa das conversações. Kito Rodrigues, um dos membros mais importantes do processo de negociação, deu-me uma entrevista na Ilha do Sal.
Essa entrevista teve negociações complicadas e começou comigo a bater à porta de uma casa dos Espargos, na Ilha do Sal e com o então general N`Dalu França a perguntar-me: "o que fazes aqui?" "Eu é que quero saber o que fazes tu aqui..." - respondi. Havia ali muita gente que me conhecia.
Numa outra ocasião, em que membros da Swapo se encontraram com representantes da África do Sul em S. Vicente e já não na Ilha do Sal, os TACV cancelaram os voos da Praia para o Mindelo. Fiquei bloqueado, mas não deixei de fazer a notícia.
Quando estava a carregar no botão do telex para enviar o texto para Lisboa, dizia a minha mulher, que, naquela altura estva comigo no escritório: "dentro de cinco minutos o Mundo será diferente". Havia, de facto, naquele trabalho um gozo especial e que não era apenas definido pelo cumprimento de um papel profissional. Não. É que aquela matéria interessava-me particularmente. Eu tinha sido actor de uma parte daqule conflito.
Renato Cardoso, que me foi visitar naquele momento, ainda ouviu a frase e perguntou que fazia eu. Disse-lhe para ler. Leu e, sem dizer palavra saiu. Segundo as nossas regras, ele não podia nem desmentir, nem confirmar uma coisa daquelas.
Mas algum tempo depois, não resistiu a tentar saber como conseguia eu a informação e contou-me que uma das reuniões entre os beligerantes tinha sido estudada, planeada e concertada por apenas quatro pessoas. Uma delas era ele próprio, que não me tinha dito nada, a outra era o ministro Silvino da Luz, que, por razões óbvias e mais pelo ódiozito especial que me tinha, também não tinha sido. "A quarta, que não te digo quem foi, tenho a certeza não te disse..."
Teve uma gargalhada bem humorada como resposta.
O processo de negociações tinha começado em 1979 e continuou para lá de 1984, mas só houve noticiário a seu respeito entre 1981 e 1984, os anos que estive em Cabo Verde como correspondente da ANOP.
A France Press, por exemplo, que tinha Cabo Verde como seu território e cobria a partir de Dakar, nunca conseguiu uma única notícia de todo aquele processo.
Um dia, estava eu no Sal a noticiar mais um encontro entre americanos e angolanos, na casa especial da presidência da república cabo-verdiana (estou convencido de que foi constrída expressamente para aquele efeito) e aguardava junto ao telefone púlico do aeroporto, sentado num daqueles bancos incómodos que durante muitos anos serviam de poiso durante horas e horas a quem queria seguir para outra Ilha, quando se aproximou do tal telefone um sujeito todo bem vestido.
Pediu à telefonista, ali ao lado, uma ligação e, dentro de dois ou três minutos, estava a chamar-me nomes em francês. Mentiroso era o menos ofensivo. O homem estava furioso. De Lisboa, a Redacção da ANOP avisava-me que a France Press desmentia todas as minhas notícias. Era aquele mafarrico que, não sabendo de nada e não vendo nenhum aparato que lhe indicasse,sequer, a possibilidade de um encontro de tamanha importância me desmentia e aos puxões de orelhas que levava - suponho que de Paris - respondia com insultos dirigidos ao correspondente da ANOP, que, além do mais "devia ser maluco".
Claro que o homem não me conhecia e, naquela altura, tal como havia dito um administrador da ANOP eu não tinha ar de jornalista, pelo menos daquele tipo.
Com a rede montada comecei a projectar nela a minha especulação: e se em Cabo Verde se estivesse a construir uma solução negociada para os problemas da África Austral? O exemplo da capacidade ( mais do que isso, da inteligência) para o diálogo vinha-me das informações que, entretanto, ia colhendo sobre o processo de negociação com Spínola, de que já tinha ouvido falar em Lisboa, mas que, em Cabo Verde, ganhava outro sentido.
Com o propósito de apurar melhor a fiabilidade da minha tese, fazia pequenas notícias relacionadas com o tema e recolhia as reacções nos sítios certos. Fui tendo a certeza. Percebi que seria no Sal onde eu deveria actuar. O que acontecesse passaria por lá. Não foi difícil montar um esquema - que nem hoje revelarei, mas posso garantir ao ex-ministro Silvino da Luz, que não suportava as minhas incursões na área, que o delegado da SouthAfrica Airlines, que ele incomodou, não fazia parte da minha rede.
Foi então que a ANOP começou a aparecer na corrente internacional noticiosa. Na primeira linha. As conversações entre Angola, República da África do Sul, Swapo e Estados Unidos, realizadas bastas vezes, agrupando pares diversos eram um "top secret" que faz parte do meu curriculum como jornalista.
A primeira notícia sobressaltou a comunidade diplomática da Praia. O embaixador de Portugal, Batista Martins, um homem interessado e interessante (tinha feito parte do gabinete especial de acompanhamento da situação em Timor Leste no governo Pintasilgo), chamou-me assaranpantado: como é que ele não sabia de nada? Tive que lhe explicar que a minha relação com ele era exactamente no sentido inverso - dele, eu queria notícias...
A insistência com que eu noticiava as reuniões preocupou muita gente. Os americanos, que queriam recusar a Cabo Verde um papel no processo, às tantas diziam que o ambiente era muito fluido, pelo que, pelo menos havia que mudar de local.
Os cubanos, que recusavam o diálogo, mandaram expressamente à Cidade da Praia, o vice-presidente Juan Almeida Bosque, para tentar demover Pedro Pires de continuar com o processo.
Silvino da Luz protestava e tentava descobrir-me as fontes.
Paulo Jorge, o ministro angolano das relações externas, e que era frontalmente contra a hipótese da retirada das tropas cubanas, viu-se obrigado a pedir a demissão, já que no dia em que uma das reuniões se realizava no Sal ele, numa conferência de imprensa, se não me engano, no Senegal, negava tais encontros, evidenciando que estava fora do processo.
Renato Cardoso, que nessa altura era conselheiro político de Pedro Pires, um dia, disse-me: " já identifiquei o teu processo, fazes como o John Le Carré na Rapariga do Tambor". Eu ainda não tinha lido o livro, sorri e fui comprá-lo. Concluí que sim - o meu processo era semelhante, já que projectava na realidade uma ficção e depois recolhia o resultado que já reflectia a verdade. Depois era só confirmar com uma fonte especial.
A verdade era tão evidente que Pedro Pires foi obrigado a reconhcer, num comício, no Sal, que "Cabo Verde sempre se dispusera a ceder o seu território para encontros que visassem a solução de conflitos". Foi a confirmação oficial.
Em todo este processo há pequenos pormenores que hoje, a esta distância, me fazem sorrir.Por exemplo, o embaixador soviético, que recusou receber-me quando lhe pedi uma audiência, mandou pelo embaixador Batista Martins "un coup de chapeau".
As minhas notícias levaram Angola a falar, pela primeira vez, em diálogo e a admitir que a retirada das tropas cubanas poderia estar na mesa das conversações. Kito Rodrigues, um dos membros mais importantes do processo de negociação, deu-me uma entrevista na Ilha do Sal.
Essa entrevista teve negociações complicadas e começou comigo a bater à porta de uma casa dos Espargos, na Ilha do Sal e com o então general N`Dalu França a perguntar-me: "o que fazes aqui?" "Eu é que quero saber o que fazes tu aqui..." - respondi. Havia ali muita gente que me conhecia.
Numa outra ocasião, em que membros da Swapo se encontraram com representantes da África do Sul em S. Vicente e já não na Ilha do Sal, os TACV cancelaram os voos da Praia para o Mindelo. Fiquei bloqueado, mas não deixei de fazer a notícia.
Quando estava a carregar no botão do telex para enviar o texto para Lisboa, dizia a minha mulher, que, naquela altura estva comigo no escritório: "dentro de cinco minutos o Mundo será diferente". Havia, de facto, naquele trabalho um gozo especial e que não era apenas definido pelo cumprimento de um papel profissional. Não. É que aquela matéria interessava-me particularmente. Eu tinha sido actor de uma parte daqule conflito.
Renato Cardoso, que me foi visitar naquele momento, ainda ouviu a frase e perguntou que fazia eu. Disse-lhe para ler. Leu e, sem dizer palavra saiu. Segundo as nossas regras, ele não podia nem desmentir, nem confirmar uma coisa daquelas.
Mas algum tempo depois, não resistiu a tentar saber como conseguia eu a informação e contou-me que uma das reuniões entre os beligerantes tinha sido estudada, planeada e concertada por apenas quatro pessoas. Uma delas era ele próprio, que não me tinha dito nada, a outra era o ministro Silvino da Luz, que, por razões óbvias e mais pelo ódiozito especial que me tinha, também não tinha sido. "A quarta, que não te digo quem foi, tenho a certeza não te disse..."
Teve uma gargalhada bem humorada como resposta.
O processo de negociações tinha começado em 1979 e continuou para lá de 1984, mas só houve noticiário a seu respeito entre 1981 e 1984, os anos que estive em Cabo Verde como correspondente da ANOP.
A France Press, por exemplo, que tinha Cabo Verde como seu território e cobria a partir de Dakar, nunca conseguiu uma única notícia de todo aquele processo.
Um dia, estava eu no Sal a noticiar mais um encontro entre americanos e angolanos, na casa especial da presidência da república cabo-verdiana (estou convencido de que foi constrída expressamente para aquele efeito) e aguardava junto ao telefone púlico do aeroporto, sentado num daqueles bancos incómodos que durante muitos anos serviam de poiso durante horas e horas a quem queria seguir para outra Ilha, quando se aproximou do tal telefone um sujeito todo bem vestido.
Pediu à telefonista, ali ao lado, uma ligação e, dentro de dois ou três minutos, estava a chamar-me nomes em francês. Mentiroso era o menos ofensivo. O homem estava furioso. De Lisboa, a Redacção da ANOP avisava-me que a France Press desmentia todas as minhas notícias. Era aquele mafarrico que, não sabendo de nada e não vendo nenhum aparato que lhe indicasse,sequer, a possibilidade de um encontro de tamanha importância me desmentia e aos puxões de orelhas que levava - suponho que de Paris - respondia com insultos dirigidos ao correspondente da ANOP, que, além do mais "devia ser maluco".
Claro que o homem não me conhecia e, naquela altura, tal como havia dito um administrador da ANOP eu não tinha ar de jornalista, pelo menos daquele tipo.
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