Em Agosto de 1981 fui a Cabo Verde, à Cidade da Praia. A viagem era um pesadelo. O Aeroporto do Sal e a necessária espera para as ligações com as outras Ilhas fazia parte de uma descida aos infernos. A Cidade da Praia era uma pequena cidade, alcandorada no chamado plateau e o resto, à volta, começava a nascer. As dificuldades eram imensas. Havia um único hotel, de construção recente, o Praia Mar. Duas ou três pensões no plateau.
Falei com as pesssoas, ouvi o João, regressei a Lisboa e em Setembro levei malas. Iria instalar-me. A terra tinha-me impressionado muito favoravelmente, sobretudo pela vontade que descobri nas gentes, na virtude que o sistema parecia encerrar.
O Gabinete de trabalho da ANOP era uma pequena divisão no rés do chão da Rádio Nacional. Respirava-se mal. Ao lado ficava o gabinete do primeiro-ministro.
O Jão Galamba foi impecável: apresentou-me a toda a gente, transmitiu-me tudo o que é possível transmitir entre dois jornalistas. E, alguns dias depois lá foi. Ele e a Conceição, sua mulher.
Era embaixador de Portugal em Cabo Verde, Vaz Pinto, um homem de outros tempos, muito reaccionário, que aproveitava todos os pretextos para denegrir o regime, as pessoas, o país. Fiquei espantado com as primeiras conversas que mantive com ele. Fiquei ainda mais espantado por ter percebido que ele não entendia que ali, naquela cidade pequena, naquele país ainda considerado inviável, se estariam a passar coisas importantes.
Não. Para ele, o importante eram os pequenos escândalos locais. Por exemplo, um dia qualquer um homem de idade que mantinha um "afair" com uma jovem, surpreendeu-a com um namorado. Num gesto irreflectido, disparou sobre o jovem. Um incidente igual a tantos outros que acontecem (infelizmente) em todo o Mundo. Só que o homem era pai de Pedro Pires.
Tanto bastou para que o em baixador de Portugal evocasse, publicamente, um princípio da Igreja da Idade Média, segundo o qual os filhos dos carniceiros não podiam exercer cargos de responsabilidade, nomeadamente, não podiam ser padres.
A conversa chegou aos ouvidos do governo cabo-verdiano e, discretamente, foi pedida a substituição do senhor. Ficou a substituí-lo, durante tempo demais o secretário da embaixada, um homem que era objecto da mais pesada chacota. Nunca quis conversar comigo e eu também não estava interessado na conversa. Foram tempos maus para as relações entre Portugal e Cabo Verde.
Mas eu tinha descoberto o que se passava ali e, pouco tempo depois de ter chegado à Cidade da Praia, através de um dos seus mais altos funcionários, Renato Cardoso, com quem me encontrava regularmente, em termos formais, no seu gabinete do Ministério, fiz ao ministro Silvino da Luz a seguinte proposta: eu, enquanto correspondente da ANOP, apoiaria a política externa de Cabo Verde ( não havia divergências com Portugal) e, em contrapartida, obteria informação sobre a evolução da chamada "África Austral".
Soube mais tarde que foi o pânico. Que saberia este homem? Ao serviço de que polícia estaria? Porque, a verdade é que, perante tal proposta eu teria de saber que Cabo Verde, já desde 1979, estava a tentar, pela via do diálogo acabar, com a guerra em Angola, resolver o problema da Namíbia e, em consequência, terminar com a ocupação angolana por parte das tropas cubanas.
Ora, a verdade é que não sabia de nada, mas percebi que, naquele ambiente, com aquela gente, era possível descobrir, de forma imaginativa, caminhos para o que parecia impossível. Além disso, Cabo Verde precisava encontrar o seu papel no Mundo e eu conhecia bastante bem toda a situação da "África Austral" (coloco as aspas porque Angola só politicamente pode ser considerada como tal e isso, por conveniência das grandes potências de então), grande parte do território faz parte da África Central...enfim, diferenças que para a maior parte das pessoas não querem dizer nada. Umdia virá....
2005/08/09
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1 comentário:
Ao ler as primeiras linhas lembrei-me de uma das longas esperas no Aeroporto da ilha do Sal. Tivemos que passar a noite no Aeroporto a espera da ligação para a ilha de Santiago. Nessa noite dormi em cima do meu querido pai que serviou de colção para mim. Isto para dizer que nem tudo era mau, bastava um pouco de preverança e muito carinho.
Foram tempos marcantes os de Cabo Verde. Estão ainda muito marcados na minha memoria.
Obrigado por teres me dado essa experiencia.
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