2005/08/13

Cabo Verde - um Salto ao Brasil

A Cidade da Praia, naquela altura, era uma cidade bem cosmopolita. Era possível encontrar gente de todo o lado e gente que estava ali, normalmente por boas razões. Na realidade,o golpe de estado na Guiné Bissau, em 14 de Novembro de 1980, tendo acarretado o corte de relações entre os dois Estados e dado lugar à fundação, em Cabo Verde, de um outro partido - o PAICV - transferiu para os cabo-verdianos o prestígio do PAIGC, que depois do golpe nunca mais parou de se afundar.
Os cabo-verdianos, libertos da responsabilidade guineense, dedicaram-se completamente ao seu país. Não me canso de repetir que o golpe de Nino Vieira foi a verdadeira libertação de Cabo Verde.
Os grandes projectos de cooperação começaram a ser canalizados para o Arquipélago e o país começou a crescer e a desenvolver-se.
Com o desenvolvimento de processos de cooperação aparecia gente de todo o lado. Gente interessante, arejada. Era mais fácil saber o que se passava no Mundo na Praia do que em Lisboa.
Entre esta gente, um austríaco, casado com uma brasileira e, por isso falando português com sotaque de Belém do Pará, Godofredo Stockinger, transformou-se num visitante especial do meu escritório. Pelo menos lá sabia as notícias em cima da hora.
No Brasil, os militares cantavam o canto do cisne, as multidões movimentavam.se e no Parlamento Dante Oliveira fez uma proposta de emenda à constituição que ficou conhecida como "Directas Já".
Discutíamos todos os dias os acontecimentos do Brasil. A emenda ia a votação, mas o governo brasileiro impediu todo o noticiário sobre as discussões da proposta.
Havia mais dois brasileiros, um deles exilado político e funcionário da UNESCO. Aos três eu garanti que furava aquela proibição "governista", desde que tivesse contactos seguros no Brasil. Ficaram a olhar para mim, meio incrédulos. Apenas o Stockinger me deu o benefício da dúvida. Mas todos se dispuseram a dar-me os contactos.
Montado o esquema, avisei o director da ANOP, que eu não conhecia, das minhas intenções: iria produzir noticiário sobre o que se passava no Brasil, com duas condições: as notícias seriam datadas de Brasília e eu precisava ter a certeza de que nenhum órgão de comunicação social português saberia como estaríamos a trabalhar.
O Cordeiro não me conhecia e foi perguntar ao Luciano Rocha: " olha lá, está ali no telex o gajo de Cabo Verde a dizer que vai fazer notícias sobre o Brasil...o que é que tu achas, o gajo é maluco ou quê?" O Luciano, que me conhecia bem, disse que se eu dizia que fazia é porque fazia mesmo.
E assim foi: nesse processo entrevistei o próprio Dante Oliveira, que uma telefonista foi chamar à tribuna para falar comigo ao telefone. Entrevistei, também pelo telefone, Miguel Arraes e o velho Ulisses de Guimães, que, antes de me dar a entrevista me "chingou" porque o estava a acordar às sete da manhã.
Dei informações um pouco de todo o Brasil e bati em duas horas a EFE, com duas delegações no Brasil, uma no Rio e outra em Brasília, com a notícia das votações finais,largamente favoráveis ao sim.
Os jornais portugueses dos dias 27 e 28 de Abril de 1983 publicaram todo o meu material. Alguns deles fizeram as primeiras páginas com as minhas notícias e os meus textos de análise, mas a ANOP nunca foi capaz de reconhecer, nem o trabalho extraordinário do noticiário sobre a África Austral, nem este feito brasileiro. É que. no ar já andavam os arautos da desgraça, anunciando a extinção da Agência.
De qualquer forma, esta minha incursão pelo Brasil, contribuiu para um aperfeiçoamento na estratégia daquele que seria o meu jornal.

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