Ao referir especificamente o nº 14 do "África Jornal" faço-o com vários objectivos, o mais importante dos quais não é o de dizer, como o outro, "paizinho já sou ministro". A direcção do jornal era para mim, do ponto de vista formal, o menos importante. O que me interessava era tê-lo ao serviço de uma estratégia inteligente.
Eu tinha a estratégia e precisava de apoios para ela. Em Portugal era (é) o que se sab(e)ia: ninguém vai além do seu quintal: um jornal sem tutela é um risco : "quem é este gajo, com ideias globais de informação, a querer fazer de um jornal o elo de ligação entre o Norte e o Sul, anti-soviético e anti-americano, a favor das independências mas contra quem as governa, defendendo Cabo Verde como o único território cuja independência deu vantagens ao seu povo...?"
Só pode ser agente da CIA - diziam alguns. Do KGB - diziam outros. A este propósito, o Fernando Alves, que assinava uma crónica fabulosa com o título genérico Bo(u)é de Sede (é que ele escrevia com o, mas, de facto é com u) chegou a escrever mais ou menos: "que raio ...mandem lá o cheque...)
E a estratégia era simples. Não contava com Portugal, não apenas porque, do ponto de vista político, não dava confiança, mas também porque os políticos e empresários portugueses entendiam que a defesa dos seus chamados interesses em África passavam pela crítica sistemática ao que lá se passava e pelo apoio a tudo quanto fosse oposição. O neo-colonialismo era uma tentação. O estabelecimento de relações de igualdade eram ( e ainda são) uma miragem.
Em Cabo Verde encontrei a inteligência necessária à compreensão do meu projecto. O meu interlocutor foi sempre Renato Cardoso. A primeira vez que falei com Pedro Pires foi quando me fui despedir dele, no final do meu contrato como correspondente da ANOP. A segunda, foi em Madrid, em Fevereiro de 1985.
Aí falámos do projecto "África Jornal" e da urgência em arranjar apoios para o transformar rapidamente num quinzenário. Nessa altura, manifestou dúvidas quanto ao objectivo do semanário, dúvidas que sempre manteve.
Era ( e é) um espírito avisado, cauteloso e, embora não tendo experiência de gestão de jornais, avaliava bem as dificuldades de um jornal com aquelas características com uma periodicidade semanal.
No essencial, a nossa conversa de Madrid ractificou o interesse de Cabo Verde no apoio a um jornal com as características do "África Jornal", virado para a defesa dos interesses africanos, numa tentativa de colocar o Continente na rota da comunicação internacional. Com um especial interesse: o apoio à luta pela Independência da Namíbia e ao fim da guerra em Angola.
Nessa base, como o governo de Luanda era bombardeado todos os dias por uma comunicação social simpatizante da UNITA e de Savimbi, pró-americana e anti-MPLA, o nosso jornal defenderia, não a política interna do MPLA, mas a estratégia de conversações multilaterais para o fim da guerra, a independência da Namíbia e tudo o que lhe estava associado.
Nessa sequência, fomos o primeiro jornal a defender a retirada das tropas cubanas de Angola, como contrapartida à Independência da Namíbia. Esta era também uma ideia cabo-verdiana, que tinha sido defendida por Pedro Pires junto de Fidel de Castro, durante uma semana que o Primeiro Ministro caboverdiano passou em Havana, com uma equipa de que fazia parte Renato Cardoso.
Castro apreciou particularmente as ideias de Pires e eu acredito que aceitou a ideia da retirada depois de ter ouvido a posição cabo-verdiana.
O apoio cabo-verdiano passaria pela publicidade de empresas públicas e pelo financiamento directo possível, sempre com a ideia de mobilizar apoios angolanos que compensariam os avanços da Praia. Na prática, o apoio governamental cabo-verdiano seria reposto, assim que Luanda percebesse o interesse de nos apoiar.
Ao longo dos tempos, também Aristides Pereira desenvolveu contactos com este objectivo. Todavia, algumas coisas não correram bem, porque eu não quis, nunca, sacrificar a ideia base daquele jornal: éramos independentes, não havia censura e toda a gente que escrevia conhecia os objectivos e a linha editorial do "África Jornal". Não foi bem assim...
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