Como se deve imaginar, a Redacção do jornal "África", pela influência que ele desenvolvia, sobretudo nos territórios africanos que falavam português, sofria inúmeras pressões. Todavia, a equipa era coesa e a linha editorial era bem entendida. Não podíamos, em nenhuma circunstância, confundir-nos com um jornal local, nacional. Nós tínhamos uma visão global e mesmo quando criticávamos aspectos das realidades nacionais - o que acontecia muitas vezes - não o fazíamos com a intenção de interferir no dia-a-dia.
As negociações para o apoio ao "África" desenvolviam-se a vários níveis, com vários interlocutores, algumas das quais já não precisavam da minha presença. A minha condição era a da não interferência.
Numa das minhas prolongadas e didíceis viagens a Luanda - é um pouco difícil precisar as datas - recebi um telefonema de Cabo Verde. Um amigo, que fazia parte do grupo de pressão para viabilizar o projecto "África" perguntava-me se já tinha lido o último número do jornal de que eu era director. Que não! O jornal chegava a Luanda sempre uns dias mais tarde e, portanto, não sabia o conteúdo. Era pena - dizia-me a voz amiga, porque com um texto cujo título era, mais ou menos "Angola precisa de um Homem de Mãos Limpas"... não valia a pena continuar a conversar com ninguém.
O texto eliminava Eduardo dos Santos da cena política, sugeria o mesmo em relação a Savimbi e promovia Manuel Lima.
Fiquei estarrecido quando li.
Por todas as razões: porque Manuel Lima era um desconhecido, embora tivesse desenvolvido uma intensa campanha de promoção em Lisboa, apelando ao seu papel de "comandante do exército de libertação de Angola", uma ficção da sua cabeça e porque o nosso interlocutor era Eduardo dos Santos. O Jornal "África" era claramente anti - savimbista.
O texto tinha sido cozinhado por José Eduardo Agualusa, um jovem com talento para a escrita, mas com mais talento ainda para a intriga e para a mentira. Adepto da Unita, amigo do chamado médico de Savimbi, Fernando Morgado, abusou da confiança de João Van Dunem, que se distraiu enquanto eu estava em Luanda. Quando voltei a Lisboa tive que reorganizar a Redacção, mas as negociações, quase concluídas , para um apoio ao "África", com a dignidade que eu sempre exigira estavam comprometidas.
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